Quase

Trocamos a experiência do desconforto por uma sensação de “quase lá”: quase feliz, quase no ritmo…

Recentemente rodou pela internet um vídeo do comediante Louis C. K.* sobre o uso de smartphones em nossa cultura da distração, sobre como estamos perdendo a capacidade de ficar parados, sozinhos, sem fugir do que quer que esteja surgindo em nosso mundo interno. Seu desfecho:

“Porque não queremos aquela primeira pontinha de tristeza, nós a afastamos com o celular, a masturbação ou comida. Você nunca se sente completamente feliz, só se sente mais ou menos satisfeito com seu brinquedo.”

Nossa abertura ao sofrimento é proporcional à abertura para a felicidade. Então por que é tão difícil encarar a solidão, a inadequação, a dor, o tédio, a morte, a realidade? Por que escolhemos, de novo e de novo, um dia cheio de entretenimentos e saídas de si?

Uma pista vem da relação com o ritmo: durante um intensivo de TaKeTiNa, muitas pessoas preferem passar dias inteiros quase no ritmo, tentando acertar, sem alegria, sofrendo, como se estivessem obrigando a si mesmas — tudo porque não suportam nem por alguns segundos a sensação de errar, de não pertencer, de não entender, de não conseguir controlar. E não suportam pois não conseguem imaginar (e quase nunca pagam para ver) o que aconteceria se saíssem de vez do ritmo e ficassem um pouco mais com a frustração, curiosos, sem muitos ajustes, estratégias manjadas, lutas, tentativas, “quases”.

Ironia cósmica: o único jeito de entrar no ritmo é sair por completo, relaxar e não ter tanta urgência de sincronizar, se aproximando cada vez mais do ponto de errar, que é o mesmo ponto de entrega onde caímos 100% no ritmo, onde a vida acontece. Sair por completo dissolve exatamente a mesma rigidez que nos impede de entrar por completo.

O músico Reinhard Flatischler aprendeu com mestres da percussão: “quase” é a posição mais distante de tudo. Porque nunca chegamos, fazemos pequenas negociações com a vida e com as pessoas em troca de êxtases provisórios, simulacros de felicidade (novo trabalho, namoro, apartamento): “Agora sim!”

“Almost there” is the worst place to be.

Reinhard Flatischler

Se eu te disser que quase comi ou quase me apaixonei ou quase vi o filme, isso é o mesmo de dizer que não comi, não me apaixonei, não vi o filme!

Orientados para o acerto e para o sucesso, estamos sempre quase lá, perambulando em um grande limbo de torpor, muito longe dos lugares de alegria e presença.

TaKeTiNa: transformação pelo ritmo

Se quiser experimentar como se dá o processo descrito acima, vou oferecer um workshop de TaKeTiNa em São Paulo. Ainda há 7 vagas →

Texto originalmente publicado na revista Vida Simples em novembro de 2013.

*Quatro anos depois da publicação desse texto, a sociedade descobriu que Louis CK abusou de cinco mulheres, o que torna sua afirmação não uma sabedoria para admirar, mas uma expressão ainda maior do problema que tenta descrever.