Quites para sempre

Em vez de ceder, podemos fazer por alegria; em vez de exigir, podemos liberar o outro de qualquer dívida

Recentemente ofereci o curso “Resposta padrão para qualquer problema de relacionamento” em São Paulo, durante cinco encontros semanais. Longe de comportamentos ideais e psicologização das histórias, trabalhamos internamente com práticas de equilíbrio, sabedoria e compaixão. No entanto, somos apressados, queremos saber logo o que fazer. Aproveito então para descrever duas atitudes desnecessárias com o desejo de que possamos abandoná-las o quanto antes.

É muito comum ouvir que em uma relação precisamos abdicar de certas coisas, ceder. Sim, flexibilidade é essencial, mas ela não precisa vir com passividade, como se fizéssemos aquilo “pelo outro”, como se não estivéssemos nós mesmos escolhendo aquele caminho. Sempre que faço algo por obrigação, sofro e me torno um cobrador. Porém, assim que me aproprio e danço, brota alegria, junto com a clareza de como aproveitar aquele momento. Observe como você visita seus sogros, como participa da reunião na empresa — você se sente arrastado para alguma situação como se não tivesse escolha?

Ceder (no sentido de ignorar nossa liberdade) é quase sinônimo de exigir (ignorar a liberdade do outro): a pessoa que mais faz por obrigação é exatamente a pessoa que mais obriga o outro. Exigir é talvez a ação que mais destrói uma relação. Exigir é um tipo de violência. Exigimos com o olhar, exigimos com atitudes indiretas, exigimos incessantemente até ao pensar nos outros.

Exigir é um tipo de violência.

Quem somos nós para interromper uma pessoa no meio da rua e forçá-la em alguma direção? E o que muda quando essa pessoa vive conosco há 10 anos? Claro, esperar algo dos outros é OK, não há problema algum em manter expectativas… desde que você saiba que vai sofrer. É matemático.

Guardem isso no coração: o outro é livre, o outro é criativo. Antes de ligar para a esposa (marido, filha, funcionário, amiga…), lembre-se que naquele exato momento a pessoa está seguindo com sua vida; antes do “oi”, depois do “tchau” e até durante a conversa, ela não é sua esposa. Melhor liberar o outro, dispensá-lo do trabalho de nos fazer feliz. E assim nos desobrigar de fazê-lo feliz, intensificando a alegria em ajudá-lo em seu florescimento, sem a sensação de cobrar ou pagar dívidas.

Não é bem assim, mas lembrei desse episódio ao escrever o texto

Oferecer é o ato mais revolucionário, capaz de por fim ao pacto de carência sob o qual construímos a maioria das relações. Quando o outro nos beneficia, sua mente livre está feliz apenas em oferecer (ainda que sua mente aflita espere alguma retribuição). E quando beneficiamos o outro, melhor oferecer por nós mesmos, unilateralmente, sem checagens, como expressão natural de nossa presença no mundo, não como algo que estamos fazendo pelo outro.

Estamos quites. Desde sempre e para sempre. Alegria!

Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa” da revista Vida Simples (ed. 154, fevereiro 2015).