Rio não se faz

Os processos mais poderosos da vida não são produzidos pelo esforço de uma pessoa

Pode observar: as experiências mais deliciosas surgem de processos inescrutáveis. Prazer sexual, sentido no trabalho, gravidez, paixão, alegria, quietude contemplativa… Somos arrebatados por uma corrente que vem sei lá de onde, não conseguimos criar nada disso sozinhos.

No entanto, passamos a maioria do tempo nos esforçando para correr ao lado do rio da vida, segurando complexas análises de suas águas. Ora, qual o melhor modo de igualar nossa velocidade à de um rio? Pular.

Para desembaraçar um fio, você pode puxá-lo e remover nó a nó. Ou pode afrouxar, balançar, deixá-lo cair e se surpreender quando ele não estiver emaranhado de fato. Nossos ancestrais taoístas já ensinavam a não-ação (wu wei): faça menos para que as coisas possam se fazer.

Se isso parece abstrato, observemos quem estuda e tenta aplicar técnicas de sedução. Mal sabe ele que tudo isso apenas obstrui os verdadeiros processos impessoais e milenares de magnetismo. Quanto mais tentamos criar momentos e emoções, mais fechamos os espaços que a vida adora inundar.

Quando começamos a meditar, simulamos que estamos meditando em vez de se entregar às instruções inicialmente misteriosas. Assim como no sexo é muito comum fingir que estamos transando em vez de transar pra valer. Queremos dar prazer um ao outro ou ser carregados por algo que nos transcende? É como se agíssemos conforme o que pensamos ser aquela experiência em vez de descobrir ali na hora. Há uma espécie de autismo: eu converso fingindo que estou falando e ouvindo porque pode ser aterrorizante simplesmente me entregar ao encontro, ao silêncio, ao não saber como agir. Esse medo gera uma encenação que impede o movimento real. Eu começo a beijar mais tentando fazer o beijo e menos deixando o beijo se fazer.

É como se a gente nunca conseguisse construir o que a gente quer ver acontecendo. Forçar ou esperar que a magia opere, que algo mais poderoso do que nós faça seu trabalho? Tal confiança não é fácil porque às vezes nada flui. E então desenvolvemos estratégicas de simulação: me excito antes do tesão surgir, me declaro antes da paixão se instalar, danço antes de ouvir a música. Ansiedade é isso: tentar pisar antes do chão chegar ao pé.

Melhor do que fazer nossa própria ondinha numa piscina de plástico, nossa revoluçãozinha pessoal, talvez seja esperar por grandes ondas. Dar um passo e deixar o céu se mover. Manter diálogo constante com o que nos rodeia.

Não precisamos sequer fabricar o relaxamento no prazer, no ritmo, na felicidade; ele é simplesmente o que sobra quando soltamos o controle.

Texto originalmente publicado na coluna “Quarta pessoa” da revista Vida Simples, em maio de 2012 (edição 118).

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